terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

A oposição se desmancha

VINICIUS TORRES FREIRE 



Individualismo rudimentar e mudança climática na política brasileira ameaçam existência de PSDB e de DEM

A AGONIA dos partidos de oposição é evidente desde 2010. Há tempos doentes de dengue programática e anorexia social, partidos como PSDB e DEM parecem agora ter se entregue à autoamputação.
Gilberto Kassab, prefeito de SP, pode causar hemorragia de um terço dos quadros do seu DEM, a caminho que está de algum outro partido, qualquer partido que lhe dê a legenda para o governo paulista em 2014 e boas relações com o petismo.
Caso se confirme a migração de Kassab, o DEM será um partido nanico, mas sem nacos de poder que alimentam os nanicos agregados ao petismo no poder.
José Serra talvez apenas ameace cortar braços e pernas de PSDB, dada a disputa que trava com Geraldo Alckmin e Aécio Neves, mas o fato mesmo de que sugira a cisão ilustra o baixo nível da discórdia tucana.
O desarranjo da oposição ficara evidente na derrota inglória de 2010, quando o PSDB fizera uma campanha desnorteada, sem programa, sem apelo ou base social e que descambava ora para a demagogia, ora populista ora direitista.
A desorientação tornou-se manifesta na conversa fiada da "refundação tucana". Aécio e Alckmin passaram a procurar um verniz partidário mais adequado aos novos tempos de hegemonia petista. Deram de falar sobre a importância de "políticas sociais", de se "aproximar" do "povo" e de sindicatos. Deram de pregar "oposição responsável" a Dilma, "cooperação" com o governo federal. Tudo isso é também um outro modo de fritar Serra, desafeto radical do petismo.
O motivo mais imediato da crise é o fato de que a coligação sudestina de PSDB-DEM tem quatro candidatos (Aécio, Alckmin, Serra e Kassab) para dois cargos em 2014 (governo paulista e presidente). Mas há mais. Kassab pensa em se bandear para um partido associado ao governo petista. Alckmin, como já se disse, é diplomático com Dilma Rousseff, e há mesmo setores do alckmismo ideológico que já se agregaram ao governismo, como Gabriel Chalita.
Há uma mudança climática na política, em parte resultado do sucesso do petismo-lulismo, do "desenvolvimentismo" e as várias derrotas ideológicas, políticas, eleitorais e morais de ideias ligadas à "modernização tucana". Tais reveses erodiram a base ideológica do tucanato e encolheram ainda mais sua base social-eleitoral.
Há os defeitos intrínsecos da oposição. O PSDB era o partido de certa elite sulista, escovada em universidades americanas, gente mais ilustrada da finança, da grande empresa e parte da universidade "modernizante" e de representantes mais "modernos" de elites regionais.
Os quadros ideológicos se foram, para ganhar a vida no mercado. A base social organizada jamais existiu. A grande finança aceita conviver com o PT, desde que não barbarizem demais o Banco Central e as contas públicas. A grande empresa foi cativada com subsídios. Os quadros políticos restantes do PSDB, sem projeto coletivo, se matam em nome de suas carreiras individuais. O DEM era um resquício de eras passadas, apenas.
Se a mudança é duradoura, não se sabe. Mas o sucesso acidental ou não do petismo ameaça explodir os partidos de oposição. Caso a agonia termine em mortes, estaremos diante da maior mudança partidária em quase um quarto de século.

vinit@uol.com.br



fonte:  http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao

Um partido para Serra?


São Paulo, sábado, 12 de fevereiro de 2011

FERNANDO DE BARROS E SILVA



SÃO PAULO - Sair do DEM para onde? O PMDB? O PSB? Fundar um novo partido?! De todas as opções políticas postas diante de Gilberto Kassab, a última é a que mais interessa a José Serra. Nada por ora está claro, nem existe a certeza de que o prefeito e seu padrinho estarão no mesmo barco mais adiante.

A possível fundação do PDB (Partido da Democracia Brasileira), no entanto, além de não jogar Kassab no colo da aliança governista, abriria a Serra uma perspectiva de vida política fora do PSDB, onde suas pretensões parecem ser cada vez menos viáveis.
É claro que não é trivial deixar uma legenda que ajudou a fundar e com qual está identificado, abrindo mão de uma estrutura já montada. Mas Serra já disse a vários interlocutores, desde antes da eleição, que cogitava criar um novo partido.
A oposição vive um momento muito ruim. Além de ter encolhido no Congresso, está se autodevorando. O DEM definha em praça pública. E o PSDB se esforça para evitar (ou adiar) uma guerra fratricida que passa pelo comando do partido, mas vai muito além disso.
Geraldo Alckmin hoje se equilibra, tentando desempenhar a função de moderador entre o novo apetite de Aécio e a velha insistência de Serra. Ao governador paulista interessa aparecer como uma espécie de gestor da política do "café com leite" e fiador da unidade tucana. A despeito disso, a percepção de que o PSDB ficou pequeno demais para Serra e Aécio nunca foi tão nítida.
Sem mandato, Serra ainda tem algum poder no partido para vetar ou melar decisões que o desagradam, mas, hoje, não reúne mais forças para se impor ou construir o seu próprio caminho. Sua liderança é, em grande medida, paralisante.
Isso não quer dizer que Serra deixará o PSDB, mas que existe essa conversa. No curto prazo, ele conta com Alckmin para segurar Aécio. E torce para que Kassab lhe abra uma outra porta. Ficou dependente dos seus sucessores -o prefeito e o governador. É uma ironia. É a política.

Agora, vai...


São Paulo, sábado, 12 de fevereiro de 2011
FERNANDO RODRIGUES







BRASÍLIA - O presidente do Senado, José Sarney, criou uma comissão para tratar da reforma política. Agora, vai. Vale a lógica satírica de escritório sintetizada pelo personagem de história em quadrinhos Dilbert -quando não quiser resolver um problema, crie uma comissão.
O presidente do grupo é o experiente senador Francisco Dornelles, de 76 anos. Mas fazem parte também dois senadores e ex-presidentes mercuriais: Itamar Franco e Fernando Collor. Em resumo, a chance de haver consenso é zero.
Um eventual fracasso não pode ser classificado como ruim. A julgar pelas ideias recentes defendidas por alguns partidos, Sarney presta um serviço ao embananar o processo. Melhor ficar sem mudanças do que adotar propostas estapafúrdias como a do voto em lista partidária -e não mais nos candidatos a deputado e a vereador.
Outra alteração proposta com força nos últimos tempos é o voto majoritário para deputado. Se São Paulo tem 70 vagas na Câmara, que os 70 mais votados sejam os eleitos. Enfim, a regra básica da democracia. Quem tem mais votos, ganha.
Na realidade, o voto majoritário na eleição do Congresso teria como efeito aumentar a irrelevância dos partidos políticos. Tiriricas sempre venceriam. Hoje, os votos dados a todos os candidatos são contabilizados para os partidos. Cada legenda recebe o número de cadeiras proporcional ao total de apoios obtidos pelos seus candidatos.
A deformação não está na proporcionalidade, e sim nas coligações partidárias em eleições para o Poder Legislativo. O eleitor escolhe um nome do partido "A" e seu voto ajuda o postulante dos partidos "B", "C" e "D". Eliminar essa poligamia teria efeito profilático. O resultado das urnas ficaria mais claro. Mas esse tipo de mudança poucos mencionam quando o tema é reforma política. Assim, o jeito é torcer para que a comissão de Sarney tenha o mesmo destino de todas as anteriores: o oblívio.




terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Tiririca legislativa

FERNANDO DE BARROS E SILVA 

SÃO PAULO - Ninguém dá muita bola para a Assembleia Legislativa de São Paulo. Ela parece viver numa espécie de limbo, entre a Câmara federal, à qual a imprensa dedica muito mais atenção, e a municipal, onde bem ou mal transitam os problemas e negócios da cidade.


É possível que você, leitor, nem se lembre mais em quem votou para deputado estadual em outubro. Também é possível que não conheça nenhum desses deputados. A culpa não é (ou não apenas) sua.


As Assembleias -não só a paulista- tornaram-se, de fato, pouco relevantes. Em primeiro lugar, porque a Constituição de 1988 restringiu muito as competências dos legislativos estaduais. O arcabouço institucional do país as esvaziou.


A isso se soma que, na prática, as Assembleias são anexos do Poder Executivo, submetidas aos favores do domínio quase absoluto do governador. Em São Paulo, onde os tucanos mandam há quase duas décadas, isso é muito claro.


Decorre disso que a assembléia paulista não fiscaliza nada como deveria (ficou cinco anos sem instalar nenhuma CPI) e legisla, em grande medida, em caráter decorativo (metade das quase 200 leis publicadas desde julho versa sobre a criação de datas comemorativas ou de nomes para vias públicas).
Estamos falando de uma estrutura com 94 deputados, mais de 3.000 funcionários e orçamento de R$ 680 milhões para este ano.


Reportagens recentes da Folha mostraram uma série de desmandos, desvios funcionais e vícios corporativos acumulados na Assembleia paulista -como a existência de 70 "diretores" na Casa, entre eles o "de garagem" e o "do xerox".


Não é preciso ir muito longe para perceber que a Assembleia é uma Casa de pouca importância política e estrutura obsoleta, voltada sobretudo aos seus próprios interesses.
Ninguém está sugerindo aqui o fim da Assembleia. Seria o caso de pedir o seu "começo". Para que não pareça apenas a extensão da área de lazer do parque Ibirapuera.





fonte:http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0802201103.htm 

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Terceira Via Árabe?


FERNANDO DE BARROS E SILVA

SÃO PAULO - Ninguém a essa altura ignora que um capítulo importante da história contemporânea está sendo escrito no Egito. Alguns analistas aproximam a revolta contra a tirania de Hosni Mubarak e seu efeito irradiador sobre o mundo árabe (e mesmo além) da onda do ano histórico de 1989, quando ruíram em cascata os regimes autoritários do leste europeu.

A queda do ditador tunisiano semanas atrás e o vetor "ocidentalizante" das demandas das ruas (democracia, liberdades individuais, oportunidades sociais), além do fator econômico, corroboram, em parte, o raciocínio.
Mas nada tem sentido unívoco na caldeira fervente do Oriente Médio. O grande temor dos EUA e, obviamente, de Israel, é que a história venha aproximar o Egito não de 1989, mas de 1979, quando a revolução iraniana instalou no país uma teocracia islâmica ardentemente antiamericana.

Não parece o mais provável. O sentimento antiamericano no Egito não é comparável ao que havia (e há) no Irã, nem o apelo religioso está no centro das manifestações.
A questão é saber se há espaço para uma terceira via no Egito (e no mundo árabe) -um regime que não seja nem uma "ditadura amiga" dos EUA nem uma teocracia mais ou menos fundamentalista. O primeiro passo para construir esse caminho é não satanizar a Irmandade Muçulmana, principal organização religiosa do país, de maioria moderada, na ilegalidade desde os anos 50. Confundi-la com o extremismo, como querem Israel e a direita em geral, é uma tolice.

No horizonte imediato, é preciso ver se as negociações iniciadas serão suficientes para acalmar as ruas. E que papel o Exército, até agora tolerante, jogará em caso negativo. De qualquer forma, ao apostar que Omar Suleiman -chefe dos serviços (sujos) de segurança de Mubarak- seja "o cara" para chefiar esse processo, os EUA indicam que aqui os valores democráticos são a sua última preocupação.