terça-feira, 24 de maio de 2011

Grito sem voz

VLADIMIR SAFATLE

Desde o dia 15 de maio, as praças nas cidades espanholas foram tomadas por jovens manifestantes. As imagens parecem evocar as megamanifestações egípcias na praça Tahrir, com seus acampamentos e sua insistência.

As exigências não são muito diferentes: revolta contra um processo econômico de pauperização social e concentração de riquezas, exigência de uma reinvenção democrática que nos leve para além dos limites da democracia liberal com (no caso espanhol) o velho sistema de dois partidos que se alternam no poder: o da direita descomplexada e o da esquerda envergonhada.
No entanto a Espanha foi às urnas no domingo, dando a vitória ao direitista PP. Como explicar o paradoxo de um país assolado por megamanifestações juvenis, mas que vota em um partido cuja plataforma eleitoral representa apenas o aprofundamento dos princípios econômicos que geraram a crise que deixou a Espanha de joelhos?

Talvez seja o caso de lembrar que vemos um profundo hiato entre as opções eleitorais e as expectativas de mudança cada vez mais presentes nas massas europeias (já vimos cenas parecidas em Portugal e na Grécia). Este é o resultado da ausência de uma "terceira geração" de partidos de esquerda.

A primeira geração foi marcada pela polaridade entre partidos sociais-democratas e partidos comunistas. A partir dos anos 1980, grandes partidos comunistas (como o italiano e o francês) entraram em colapso. Uma "onda rosa" social-democrata invadiu a Europa com Tony Blair, Gerard Schroeder, Lionel Jospin e resultados sociais vergonhosamente pífios. Estes dois modelos de partidos esgotaram-se.

A segunda geração foi marcada pelos partidos verdes e por alguns partidos libertários que nasceram no bojo das exigências emancipatórias de maio de 68.

Hoje, os partidos verdes são, cada vez mais, partidos de centro que fornecem a roupagem ideológica para a nova aliança entre um sistema financeiro embalado pela "bolha verde" e a má consciência de uma classe média que prefere não ouvir falar em conflito de classe. Dos partidos libertários, não sobrou sequer rastro.
Falta, pois, um terceira geração de partidos ou agremiações de mobilização eleitoral capazes de dar representação política a uma massa disposta a lutar pela efetividade de princípios reguladores como igualdade e liberdade social.

Liberdade que não seja bloqueada pela transformação do Estado em ambulatório de bancos falidos embalado pelo discurso do caráter inevitável do desmonte de sistemas elementares de seguridade social. Enquanto este passo em direção à institucionalização da revolta não for dado, giraremos em falso.

Inovar a máquina Pública

Abelardo Coelho
 
Esse grupo, de alto nível, prestador de um serviço público relevante - porque não remunerado - terá isenção suficiente para sugerir soluções para eliminar os obstáculos responsáveis pelo travamento do serviço público. Para a presidente da República, "o Brasil precisa de um Estado meritocrático e profissional e de uma relação produtiva entre o setor público e o setor privado, que não pode ser de oposição, de conflito ou de interesses conflitantes."

O governo federal avança mais um passo significativo para concretizar o projeto de inovação e racionalização do serviço público, mediante o emprego das tecnologias de gestão das empresas privadas. Há oito anos, foi instituído o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social como fórum privilegiado para o debate dos grandes problemas nacionais, maturando soluções capazes de equacioná-los, ao absorver sugestões originadas nos mais variados segmentos sociais.

Agora, a Presidência da República institucionalizou a Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade, integrada por quatro dos maiores empresários do País e pelos quatro ministros de Estado responsáveis pelo planejamento, finanças públicas, coordenação do governo civil e as políticas de desenvolvimento, indústria e comércio exterior. O presidente da Câmara é o empresário Jorge Gerdau Johannpeter, já empossado na função.

O serviço público, nas suas três esferas de atuação, desenvolveu, ao longo do tempo, ostensivo distanciamento da iniciativa privada, como se existisse um antagonismo insuperável entre os dois modelos de administração. Com isso, a máquina pública alimentou a mentalidade pela qual as receitas públicas devem ser carreadas, prioritariamente, para a remuneração dos servidores, em detrimento de sua atividade-fim: a prestação de serviços públicos.

Essa visão deformada, porque voltada exclusivamente para absorção dos recursos públicos pelo custeio da máquina oficial, criou um isolamento inaceitável em termos de aproveitamento das experiências conseguidas pela gestão privada, de modo especial, no controle dos gastos, no combate ao desperdício, na eliminação de ações paralelas e na racionalização das estruturas operacionais.

Esses métodos arcaicos, na gestão pública, geraram barreiras intransponíveis exatamente pela falta de autocrítica e pela presunção segundo a qual o universo do negócio privado alimentaria a maior fonte geradora de desvio de conduta funcional. Os interesses privados seriam incompatíveis com o comportamento ético dos servidores públicos. Nada mais frágil do que argumentos dessa natureza.

A Câmara de Políticas de Gestão terá a oportunidade de desenvolver um modelo de assessoramento governamental bipartido, mas identificado no objetivo de criar formas para a administração reduzir custos, racionalizar processos e melhorar os serviços prestados ao cidadão. A eficácia dos programas e das ações prioritárias e as preocupações com a produtividade serão instrumentos inseridos, de agora em diante, na avaliação do desempenho do governo.


fonte:http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=985552

Publicado em 23 de maio de 2011

domingo, 1 de maio de 2011

O TRABALHO HUMANO: FONTE DE SOLIDARIEDADE




ALEXANDRE ARAGÃO[1]



Sob a ótica de alguns estudos sociológicos, a divisão social do trabalho passou a ser concebida como uma fonte de “solidariedade orgânica”, por produzir uma vasta diversificação do tecido social, através das especializações humanas, possibilitando uma comunicação de diferentes realidades que enriquecem e fortalecem os vínculos da vida social. Este tipo de solidariedade só se torna possível se cada trabalhador tiver uma esfera própria livre de ação em sua atividade de trabalho para o pleno desenvolvimento de sua personalidade.
Assim, uma das questões centrais dos estudos contemporâneos sobre economia e o trabalho humano paira em torno das condições concretas de trabalho nas quais cada trabalhador pode desenvolver-se plenamente. É importante lembrar que a noção de “concreto” é definida como sendo a unidade do diverso, síntese de múltiplas determinações. Portanto, o trabalho e os trabalhadores concretos não podem existir isoladamente, mas somente em sociedade, numa ampla teia de relações.
Para que possam desenvolver suas personalidades, os trabalhadores precisam ser reconhecidos como sujeitos livres e criadores de suas histórias. A liberdade exige que o sujeito autoconsciente nem deixe subsistir a sua liberdade e, ao mesmo tempo, reconheça liberdade do outro. Somente pela ação política a liberdade pode ser reconhecida e garantida aos sujeitos; somente no estado de direito efetivo a liberdade pode ser efetiva, uma vez que a sociedade é a única condição na qual o direito tem sua realidade concreta.
Criar condições para o desenvolvimento da personalidade implica reconhecer que cada trabalhador é um ser dotado de subjetividade e dignidade, capaz de agir de maneira refletida, planejada e racional e de decidir por si mesmo no exercício de sua realização pessoal. Portanto, o trabalhador não é um instrumento, não é uma máquina, e é como pessoa que ele trabalha. Ele é o sujeito do trabalho: o valor ético do trabalho resulta justamente deste sentido subjetivo.
Além do argumento subjetivo, o trabalho humano tem um fim: a realização do ser humano enquanto ser social. O trabalho comporta em si uma marca particular, a marca de uma pessoa que opera numa comunidade de pessoas, e tal marca determina a qualificação interior do próprio trabalho.
Com o trabalho, a consciência humana deixa de ser uma mera adaptação ao meio ambiente e configura-se como uma atividade autogovernada. É um processo de uma contínua cadeia temporal que busca sempre novas alternativas. Pelo trabalho, o ser humano produz-se a si mesmo como gênero; pelo processo de autoatividade e autocontrole, salta da sua origem natural, baseada nos instintos, para uma produção e reprodução de si como gênero humano, dotado de autocontrole consciente, caminho imprescindível para a realização da liberdade.
            A humanização se dá coletivamente, no processo de produção social. O trabalho é uma matriz de humanização, onde a cultura se forma: formamo-nos como humanos na maneira como produzimos nossa existência. Portanto, as condições de trabalho devem ser estruturadas para que cada trabalhador atinja plena e dinamicamente sua humanização, consciente de que cada uma de suas ações é ação sobre o outro e sobre a comunidade a qual pertence.
            A primeira comunidade é a família. E o trabalho constitui o fundamento sobre o qual se edifica a vida familiar, é a condição que torna possível a fundação de uma família, uma vez que a família exige os meios de subsistência que a pessoa obtém mediante seu trabalho.
A família é ao mesmo tempo uma comunidade tornada possível pelo trabalho e a primeira escola de trabalho para todos e cada um dos seres humanos. A experiência cotidiana de união no interior da família enriquece o ser humano e o libera para além dele próprio: é na família que a pessoa tem ocasião de vivenciar as diversas dimensões que a constitui.
 A família é a comunidade de cuidados, em razão das necessidades que se prolongam por toda a vida. O amor nasce e cresce com esse cuidado, em uma realidade partilhada e séria. Sem tal realidade de intersubjetividade verdadeira as relações humanas correm o risco de tornarem-se patológicas.
            Esta parece ser uma das questões centrais do século XXI: que mudanças se fazem necessárias para promover novas concepções e organizações de empresas, da economia e do mundo do trabalho que sejam capazes de promover o crescimento da personalidade humana, gerando novas estruturas da sociedade que desenvolvam e fortaleçam os vínculos de convivência social solidária, tornando possível à humanidade ser mais humana?
Afinal, a vida em sociedade não se reduz apenas à dimensão econômica. A vida comum não é apenas uma mercadoria, no sentido restrito que o capitalismo lhe atribui. A vida em sociedade é um bem, principalmente no sentido relacional, isto é, ético, um bem positivo, capaz de se contrapor ao mal e às situações de injustiça.
Como lembra o economista italiano, Luigino Bruni, um dos temas mais caros para as ciências sociais na atualidade trata-se da inclusão relacional de todas as pessoas e povos nas sociedades local e global, que se constrói a partir da solidariedade humana, tendo como base os valores fundamentais da liberdade, da igualdade, da justiça e da paz. O ser humano realiza-se não na solidão, mas nas relações interpessoais. E a solidariedade não é algo que se pode adquirir por decreto normativo; ao contrário, requer uma decisão gratuita de pessoas, grupos e instituições em sentirem-se responsáveis pelos outros.





[1] O Autor é mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE) e pesquisador do Grupo Democracia e Globalização do CNPQ.

Por que médicos, advogados e pastores dominam a política


Observando as diversas profissões que integram o currículo dos parlamentares brasileiros, o cientista social Josênio Parente chama a atenção para médicos, advogados e pastores, muito votados, nota ele, pela atuação que têm na sociedade. Uma visão compartilhada com o "personalismo" de que trata o historiador Sérgio Buarque de Holanda, que avalia que as escolhas, no Brasil, podem se dar, muitas vezes, pelo prestígio pessoal.

“Votar em pessoas (não em partidos): essa é a grande falha no nosso sistema de representação. (...) A pessoa faz um trabalho de graça e começa a sentir que ela é uma pessoa boa e isso faz com que as pessoas votem nela", analisa ele, que entende que o trabalho político deve se construir dentro do partido, não com regalias pessoais.

Para o sociólogo Valmir Lopes, profissionais liberais, que têm atuação no contato direto com a resolução de problemas de todos os segmentos da população - como na Medicina e no Direito - podem se construir como políticos a partir de uma vocação clientelista.

Tal postura contribuiria para “montar algum aparelho de assistência”, gerando dependência. "Ao contrário de um candidato de opinião, eleito por suas posições político ideológicas. (...) E, aí, sua profissão, raramente, lhe garante voto", contrapôs Lopes. (MB)

em 01 de maio de 2011.