segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

A vigilância democrática


Alexandre Aragão


No último dia 14 de janeiro encerrou-se o I Seminário de Partidos Políticos: repensando os tradicionais partidos políticos de esquerda por eles mesmos, promovido pelo Grupo de Pesquisa do CNPQ - DEMOCRACIA E GLOBALIZAÇÃO -, entre os dias 11 e 14 de janeiro corrente, com o apoio do Departamento de Ciência Política da UECE, com o objetivo de provocar a reflexão em torno dos espaços e da dinâmica a serem estabelecidos pelos respectivos partidos a partir da conjuntura histórica na qual uma parcela significativa da esquerda há oito anos está no poder formal da política nacional ao assumir
a condução do Governo Federal.

Os argumentos apresentados nas palestras foram ricos em perspectivas, assinalando uma ampla diversidade de visões em torno do papel político a ser adotado por esses partidos. Há aqueles que continuam pensando, por exemplo, na construção da revolução popular para a implantação do socialismo e, ao mesmo tempo, existem outros que se definem pela construção e consolidação gradual e contínua da democracia através da luta política e social. Nesse sentido então não se pode falar de esquerda, no singular, mas da
existência de esquerdas, no plural.

Uma das contribuições significativas ao Seminário emanou das palestras proferidas pelos representantes políticos – deputados e senadores – ao apresentarem detalhes do dia a dia da prática legislativa institucional, da sua relação com os movimentos sociais, da sua relação com o poder executivo, ao denunciar a cooptação praticada, por aqueles que se acham donos do poder, aos parlamentares com o objetivo de garantir a efetivação de interesses particulares ou corporativos. Estas revelações colocaram em luz a fragilidade de
um dos fundamentos sobre os quais se alicerça a nossa democracia brasileira: a representação política.

O modelo de representação política institucional foi herdado do pensamento europeu liberal dos séculos passados, receosos do domínio da minoria pela maioria popular,concebendo a democracia apenas como um procedimentalismo autorizativo através de eleições periódicas, construindo assim uma forma de elitismo político com o qual a elite econômica pudesse gerenciar seus interesses sem maiores problemas.

No Brasil, esse elitismo político encontrou um cenário ainda mais preocupante na medida em os condicionamentos culturais sobre os quais fomos formados forjaram uma sociedade colonial, fechada, escravocrata, reflexa, sem povo, antidemocrática; nossa formação histórica não criou condições para que o nosso povo pudesse construir-se pelas próprias mãos.

Como lembra Paulo Freire, o que caracterizava a sociedade brasileira era sua condição pré-política; entre nós, o que predominou foi o mutismo do homem, foi a sua não-participação na solução dos problemas comuns, da não participação popular na coisa pública. Esse mutismo conduziu, desde o início, a um poder exacerbado, provocando a tendência para a submissão acrítica, ao ajustamento e à acomodação. Nossas disposições mentais, historicamente herdadas, são rigidamente autoritárias e sempre legitimaram tanto o
afastamento do povo da experiência de autogoverno como a negação efetiva dos direitos elementares.

Na Assembleia Legislativa do Ceará, por exemplo, existem apenas 46 deputados com o poder de realizar a representação política de cerca de oito milhões de cearenses. O voto de um parlamentar representa a voz e o interesse de 194.000 cidadãos. Segundo um dos deputados palestrantes no Seminário, com a ampla maioria
parlamentar conseguida na recente eleição, o executivo estadual tem total condição de encaminhar qualquer proposta para a Assembléia que certamente a aprovará. O deputado chamou atenção para o fato de na recente convocação extraordinária do parlamento, entre as mensagens encaminhas pelo executivo estadual, constar a polêmica dispensa de licenciamento ambiental para as obras a serem construídas de interesse do governo (no momento em que no Brasil sofre-se com a maior tragédia provocada pelas chuvas na região sudeste, com a morte de centenas de brasileiros e brasileiras), além de quatro emendas à Constituição estadual, tudo isso para ser debatido e votado no máximo em 15 dias. São temas muito graves, segundo o deputado, que não podem ser votados num tempo tão exíguo, sem o devido debate popular.

E num contexto como este, indagou o palestrante, o que significa ser de esquerda? Significa ceder às pressões do poder econômico ou político, pelo fato de pertencer a uma mesma agremiação, e votar com o governo? Ou há que ser fiel ao programa partidário e aos discursos proferidos em praça pública na busca da autorização dos cidadãos? A quem se deve ser fiel? Com quem se deve manter-se coerente? E de que forma os cidadãos podem, em casos como este, exercer sua soberania e o controle sobre seus representantes?

Esta questão coloca em relevo um aspecto de maior relevância para o exercício da representação política democrática, o do relacionamento dinâmico e efetivo entre o representante com os cidadãos soberanos que o autorizaram tal encargo político, como também dos partidos políticos com a sociedade civil.

Sabe-se que a representação é necessária porque, como lembra Young, a rede da vida social moderna freqüentemente vincula a ação de pessoas e instituições em um determinado local a processos que se dão em muitos outros locais e instituições diferentes. Nenhuma pessoa ou grupo pode estar presente em todos os organismos deliberativos cujas decisões afetam sua vida, uma vez que eles são numerosos e estão dispersos.
Assim a representação política tem a ver com três dimensões fundamentais para o seu funcionamento efetivo: a identificação, a autorização e a prestação de contas.

Se pela autorização os cidadãos soberanos, devidamente esclarecidos, identificam e elegem os representantes para falarem em seu nome, é pela prestação de contas que os representantes e partidos políticos se obrigam a apresentar o resultado de suas ações  públicas aos cidadãos soberanos. Conseqüentemente, a prestação de contas por parte dos políticos não deve reduzir-se apenas ao momento de uma nova eleição, coincidindo com uma nova autorização, mas deve ser um processo instituído e desenvolvido ao longo dos mandatos, em períodos freqüentes nos quais representantes e representados possam sentar-se num mesmo espaço e dialogarem em condições de igualdade sobre as questões que lhes atingem, caso contrário aqueles que alegam estar representando, na ausência desses encontros periódicos para prestação de contas de suas ações, estarão representando a si mesmos ou a suas corporações.

Portanto, é preciso que exista uma conexão real, dinâmica e efetiva, entre representantes e representados, capaz de produzir um acompanhamento vivo da vida política em um determinado território.
Ainda mais, se pensarmos numa democracia de alta intensidade, noção desenvolvida pelo sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, na qual a soberania popular não apenas autoriza o exercício do poder político através do voto, mas também participa da gestão de governos e de políticas públicas, exercendo um acompanhamento e controle efetivo dos seus representantes, faz-se mister a existência de espaços públicos de participação dos cidadãos, em condições de igualdade com a de seus representantes, sem nenhum status especial atribuído a qualquer organização ou indivíduo, viabilizando o debate amplo em torno das questões que envolvem suas vidas.

A existência desses espaços públicos contribui sensivelmente para a formação de uma vigilância política, necessária para o pleno exercício da democracia. Como lembra Wampler, a participação política é considerada como um instrumento de transformação social que faz parte de uma trajetória histórica de mudança política mais ampla, com potencial para educar, transferir poder e socializar os atores participantes. Pode ser conceituada como uma escola onde os cidadãos e cidadãs adquirem uma compreensão sobre o que os políticos e os governos fazem, sobre o que os políticos e os governos não podem fazer e sobre como eles, os cidadãos e cidadãs, podem exercer o controle do Estado, além de apresentar seus interesses e demandas para os representantes públicos na elaboração das políticas públicas.

Como afirma o compositor baiano Tom Zé, “a democracia atua quando ousamos, amua quando repousamos”. No repouso, ficamos desligados do que está ocorrendo ao nosso redor. E na democracia vigiar é preciso. A vigilância democrática é uma das atribuições mais importantes dos cidadãos e cidadãs soberanos que o I Seminário sobre Partidos Políticos vem trazer a público como contribuição à práxis democrática de todos nós.

Alexandre Aragão é Mestrando em Políticas Públicas e Sociedade – UECE. Pesquisador do Grupo Democracia e Globalização.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

A intolerância religiosa é o novo racismo


João Bosco Monte

Um relatório apresentado pela organização não governamental Minority Right Groups International (MRG) explica que a intolerância religiosa se converteu numa das principais causas de perseguição das minorias no mundo. A ONG ,sediada em Londres e representações em 60 países denuncia detenções, torturas e restrições às liberdades fundamentais em todo o planeta.


Mark Lattimer, diretor da MRG apontou que o relatório de sua organização, “o aumento do nacionalismo religioso, a marginalidade econômica e os abusos derivados das leis antiterroristas estabeleceram uma pauta crescente de perseguição das minorias religiosas”. 



Assim,ainda segundo Lattimer, “a intolerância religiosa é o novo racismo e muitas comunidades que enfrentaram discriminações raciais durante décadas são agora perseguidas por causa de sua religião”.



Os fatos demonstram que as afirmações de Lattimer são preocupantes. 



Em outubro do ano passado, durante a celebração de uma missa em Bagdá, um terrível atentado acabou com a vida de cinqüenta e oito fiéis. Aquele trágico massacre foi um alerta que abriu os olhos de muitas pessoas sobre a situação em que vivem as minorias cristãs em diversos países da Ásia e África. Desgraçadamente o atentado de Bagdá não foi um fato isolado.
Outro fato lamentável aconteceu no primeiro dia de 2011, quando um carro bomba se chocou contra uma igreja em Alexandria (Egito) deixando um saldo de 21 mortos e centenas de feridos. Segundo as autoridades egípcias o ataque foi cometido por um terrorista suicida. 



O que dizer da atitude intempestiva do pastor Terry Jones, da igreja Dove World Outreach, nos Estados Unidos,quando em setembro de 2010,publicamente conclamou aos fieis a participarem de seu plano de queimar cópias do Alcorão? Segundo ele, o Alcorão é o responsável pelos ataques terroristas.



Constatamos, com grave preocupação, que a liberdade religiosa está sendo objeto de agressão nos últimos anos desde diferentes flancos, com crescente virulência em algumas partes do mundo. Às vezes se trata de maiorias que impõem sua concepção da vida às minorias e pretendem eliminar a discordância. Outras vezes se trata de minorias intolerantes que tratam de impor à maioria um espaço público do que se tenham erradicado as expressões de religiosidade vivas numa sociedade.



Não há que confundir liberdade religiosa com conflito. Também se poderia dizer que o laicismo é claramente ofensivo e conflitivo. O mesmo se poderia dizer do socialismo, que propugna precisamente a luta de classes, isto é, a confrontação social. 



De um lado temos o Islã, que por sua vez, faz a guerra santa ao infiel. Do outro, há o cristianismo, independentemente da doutrina professada. 



Teria que pensar então quem são os que criam conflitos: quem tem em seu ideário o Evangelho do amor, ou quem segue livros doutrinários revolucionários e crescem graças ao derramamento de sangue e o medo. 



A história mostra a resposta bem claramente.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

A presidente Dilma e a reforma política

Filomeno Moraes


O recente processo eleitoral trouxe à tona, com ênfase, o que tem sido tema muito recorrente no debate político-institucional brasileiro: a reforma política.

Por questão de espaço, cinjo-me ao discurso de Dilma Rousseff. Ainda candidata, afirmou ser favorável à reforma política, para que haja financiamento público das campanhas, voto em lista e reforço dos partidos, devendo dar-se por meio de uma constituinte exclusiva e no início do governo.

No programa entregue ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), enfatizou-se a premência de “uma reforma política capaz de dar mais transparência aos partidos políticos e aos processos eleitorais, com financiamento público de campanhas eleitorais”.

No discurso de posse no Congresso Nacional, a presidente, encarecendo a construção de “uma democracia vibrante e moderna, plena de compromisso social, liberdade política e criatividade institucional”, salientou que “na política é tarefa indeclinável e urgente uma reforma política”, com mudanças na legislação para “fazer avançar nossa jovem democracia, fortalecer o sentido programático dos partidos e aperfeiçoar as instituições, restaurando valores e dando mais transparência ao conjunto da atividade pública”.

De qualquer modo, vive-se um paradoxo: de um lado, os maus-humores da opinião pública em relação aos mecanismos de representação política (eleições, partidos e legislativo), a que responde o voluntarismo retórico de parte considerável das elites políticas, sobretudo em quadras eleitorais; de outro, a academia, de modo geral satisfeita quanto ao funcionamento do sistema político. Por todos e respeitadas as variações, cito Fabiano Santos, que ressalta que se tem “um sistema partidário estabilizado, com taxas de volatilidade cadentes, girando em torno de quatro a cinco partidos em equilíbrio de condições, e que expressa a pluralidade social radicada na sociedade”, além de “uma disputa presidencial mais estabilizada ainda, baseada em torno de dois blocos, um de centro-esquerda e outro de centro-direita”.

Antes das proclamações de Dilma Rousseff, a reforma política já foi declarada prioridade, entre outros, pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, pelos ex-presidentes do PT José Dirceu e José Genoíno, pelo então presidente da Câmara dos Deputados Aécio Neves, e pelo presidente Lula na campanha de 2002, com reforço depois que foi reeleito. Todavia, o furor reformista tem-se perdido, quer seja pela falta de definição do que seja tal reforma, quer pela ausência de consenso em relação à matéria.

Evitando qualquer tentação de panglossianismo institucional, acentuando que se fazem incrementalmente reformas políticas e afirmando a necessidade de diversas mudanças marginais no sistema político, ressalte-se que, até agora, a melhor reforma política no Brasil é a que não houve. De todo modo, ao fim e ao cabo, espera-se da presidente que: 1. a ideia de “constituinte exclusiva” já tenha sido jogada na lata do lixo da campanha; 2. o detalhamento da “sua” proposta de reforma para o necessário debate.

Filomeno Moraes
filomenomoraes@uol.com.br 
Professor da Universidade de Fortaleza e da Uece; doutor em Direito e mestre em Ciência Política

Partidos de esquerda, governos e emergências políticas

Adelita Neto Carleial

No novo cenário brasileiro, pós-Lula e início do Governo Dilma Rousseff, a discussão sobre os rumos dos partidos de esquerda reveste-se de importância ímpar porque a direção política das massas, função principal dos partidos, tende a consolidar-se.

A importância dos partidos políticos de esquerda no Brasil evidencia-se com as eleições para os cargos supremos do poder institucional conquistados pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Daí se pode dizer que a função dos partidos de esquerda, da tomada do poder dos conservadores, está mais do que nunca atual.

Evidentemente, essa conquista é cheia de contradições e tensões. As mais evidentes contradições são as alianças que o PT tem costurado, na última década, visando a governabilidade, com outros partidos de esquerda, de centro e de direita moderada.

Além da ampliação do leque de alianças, os partidos brasileiros de esquerda se caracterizam pela articulação orgânica com os movimentos sociais populares, pela defesa da classe trabalhadora, dos direitos humanos, da preservação da natureza, da cultura e dos valores universais de liberdade e de justiça social.

Entretanto, essas defesas não garantem tais possibilidades coletivas. Enquanto for oposição, os partidos de esquerda podem com seus discursos exercer essas práticas políticas em suas manifestações, tranquilamente. Porém, quando conseguem o objeto de suas lutas históricas, o poder formal, eles precisam transitar do discurso para a ação política. Aí reside a grande dificuldade, pois, como a Política é uma ação social, ela envolve outros, com credos e ideologias diferentes, e é preciso conviver competindo com eles. Por isso, a presidenta Dilma Rousseff se emociona ao dizer que “agora sou a presidenta de todos os brasileiros” porque seu desejo é conciliar esses interesses antagônicos.

Ser partido de esquerda hoje no Brasil é fazer parte da política oficial. Isso significa mostrar eficiência, coerência, justeza e conquistar as massas para seu projeto político. Além disso, administrar a máquina governamental sem esquecer os princípios socialistas do sonho de transformar a sociedade para torná-la popular e democrática. Contraditoriamente, lidar com a produção capitalista, suas crises e sua natureza exploradora do trabalho, num jogo político de forças econômicas e sociais em disputa.

Nesses novos tempos, desafios precisam ser superados: mudar, consolidar-se, fazer reformas, crescer economicamente e diminuir as desigualdades sociais.

O Governo Lula mostrou um caminho, aprovado por ampla maioria do povo brasileiro. Ir para além e avançar nas reformas poderá diminuir o percurso até o bem-estar social almejado pelo povo brasileiro. Para isso, a direção política está com os partidos brasileiros de esquerda, conduzidos pela presidenta Dilma Rousseff, depois de décadas de luta social pela democratização do País.

Adelita Neto Carleial
Socióloga, professora e coordenadora do Curso de Ciências Sociaisda Universidade Estadual do Ceará (Uece)


Fonte:http://www.opovo.com.br/app/opovo/opiniao/2011/01/04/noticiaopiniaojornal,2085628/partidos-de-esquerda-governos-e-emergencias-politicas.shtml

As esquerdas e o partido político


Josênio Parente

Na democracia brasileira predomina a delegação e não a representação. Confia-se nas pessoas e não nos partidos. Nossos atores modernos foram tutelados e protegidos pelo Estado: a burguesia com a reserva de mercado e o proletariado com a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). A cidadania precisava pouco da representação de seus interesses no Estado.

Nos últimos 25 anos, a sociedade brasileira ficou mais liberal e competitiva, com nova cidadania. Ainda resolvemos nossos dilemas políticos com as coalizões, nem sempre de forma partidária, preservando o modelo presidencialista do “toma lá, dá cá” típica da democracia delegativa.

Caminhamos, no entanto, para a representação política. Mas com qual modelo?

Herdamos do federativo norte-americano a representação dos Estados. Os senadores brasileiros, contudo, vão além e eles concorrem com os deputados a representação da sociedade civil. Há distorção no processo. Os norte-americanos conservaram dois partidos para sanar o medo iluminista de que a maioria domine a minoria e vice-versa. Herdamos também o espírito da luta de classe das revoluções do século XIX, a francesa e a industrial, ao eleger deputados. Nesse modelo europeu, eles necessitam de quatro a seis partidos, da estrema direita à esquerda, para representarem a diversidade da sociedade civil. Herdamos também o espírito corporativista do fascismo italiano, dentro da lógica da solidariedade durkheiniana.

O desafio agora é encontrar um caminho brasileiro para a grande fragmentação partidária com perspectiva de fortalecimento dos partidos. O modelo não seria o norte-americano, nem o europeu, embora nos aproximemos deste. Estamos descobrindo o nosso caminho.

Será que as coalizões partidárias substituiriam a necessidades de partidos e nos levariam para novo presidencialismo, recuperando a representação política? Se não, haverá lugar para tantos partidos do mesmo espectro ideológico no seio da sociedade civil? O I Seminário de Partidos Políticos do Centro de Humanidades, a ser realizado na Universidade Estadual do Ceará (Uece) na próxima semana, pretende ouvir os partidos, inicialmente a esquerda, sobre o seu lugar na representação política da sociedade civil.

A dificuldade é classificar os partidos. Há arbitrariedade quando quase todos se identificam como de esquerda. Vários deles poderão se sentir de fora, como o PTB, o PL, o PMDB e outros. Pretende-se ouvir os do mesmo campo de poder para saber sobre seu lugar no spectrum político.

Como conviverão civilizadamente na diversidade, criando fidelidades e militâncias. Enfim, qual é o espaço da esquerda nesse novo quadro partidário que se vislumbra, com partidos políticos fortes? Como garantir a representação dos setores da sociedade civil que buscam a esquerda para representá-los: nos partidos ou nas coligações? É o desafio que os partidos não podem fugir.

Josênio Parente
josenioparente@gmail.com
Prof. da Uece  e  coordenador do Grupo de Pesquisa do CNPQ: Democracia e Globalização

Democracia e Violência: os contrastes na América Latina


João Bosco Monte

Na semana passada o Latinobarómetro (LB) divulgou seu relatório anual sobre as opiniões, atitudes e valores dos cidadãos da América Latina. Mas qual é a importância desse documento?

O Latinobarómetro é uma organização chilena sem fins lucrativos que desde 1995 vem levando a cabo na América Latina enquetes regulares de opinião pública nos 18 países da América Latina. Após a aplicação de 20,204 entrevistas, as conclusões preliminares do relatório são as seguintes: Maior apoio à democracia, à empresa privada e à economia de mercado, estabilidade política, otimismo e satisfação com a democracia. A delinquência aparece como o principal problema que preocupa os latino-americanos. Segundo Marta Lagos, diretora do Latinobarómetro, é bastante relevante o fato de que o apoio à democracia na América Latina cresceu 61%. A executiva afirma ainda que os relatórios passados indicam que a democracia na região experimenta um crescimento, não de maneira abrupta senão mediante aumentos graduais ano após ano.

De fato, desde que o LB começou a medir este importante indicador, esta é a primeira vez que se produz um aumento sustentado durante quatro anos consecutivos. Em matéria de apoio à democracia, a Venezuela (84%), Uruguai (75%) e Costa Rica (72%) são os três países com os índices de apoio mais altos. A Argentina experimentou um crescimento importante: 36% (em 2009) a 49% (em 2010). No entanto, apenas a metade dos entrevistados no México e Brasil, os dois países mais povoados da região, são democratas convictos, o que produz uma baixa da média regional. Por outro lado, a resistência da região à crise financeira e a rápida recuperação observada durante 2010 veio acompanhada, também, de um importante nível de otimismo e de aumento do apoio à empresa privada e à economia de mercado.

Naturalmente, o nível de otimismo registra também importantes variações entre os países da região. No Brasil, o relatório reforça o exitoso desempenho econômico e a elevada popularidade de seu presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, o que reflete uma sensação de progresso que é compartilhada amplamente pela maioria dos entrevistados.
O otimismo, entretanto, é mais modesto no México e América Central, onde a recessão foi mais severa, a recuperação é mais lenta e onde a violência e a delinquência pioraram significativamente.

O relatório demonstra ainda que a aprovação dos governos vem aumentando de maneira sustentada, passando de 36% em 2002 a 56% em 2010. Os presidentes são os grandes ganhadores, já que não só aumenta sua valorização política, senão que conseguem melhorar a percepção da democracia em seus países. Ao todo, há 11 países dos 18 pesquisados, que gozam de uma alta popularidade de governo superior a 50%, encabeçados por Lula com 86% de popularidade.

Os dividendos dessa popularidade foram contabilizados nas eleições presidenciais em 2010. Em três, dos quatro processos eleitorais presidenciais (Laura Chinchilla na Costa Rica, Manuel Santos na Colômbia e Dilma Rousseff no Brasil) os presidentes Arias, Uribe e Lula respectivamente transferiram seu prestigio para seus candidatos. Apenas no Chile, a eleição do presidente Sebastián Piñera trouxe alternância depois de 20 anos de governos consecutivos da “Concertación”.

Mas o relatório é enfático ao apontar que a América Latina tem um dos níveis de violência mais altos do mundo. A região que conta com 8.5% da população mundial, concentra cerca de 30% dos homicídios a nível global. Não é de estranhar, portanto, que preocupa mais aos latino-americanos a delinquência (27%) do que o desemprego (19%).

Que fazer para reduzir o quadro de violência? O relatório não aponta respostas, mas o uso dos métodos coercivos para combater o narcotráfico pode ser uma parte da resposta ao fenômeno, que deve ser complementada com ações de saúde pública, de prevenção no consumo de drogas. Além disso, deve outorgar-se uma dimensão política que envolva maiores capacidades do Estado e da sociedade nesta luta.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

UM BANHO DE DEMOCRACIA: SEM RESSENTIMENTO, NEM RANCOR

Alexandre Aragão


Na tarde do dia 1º. de janeiro de 2011, não só uma multidão de brasileiros e brasileiras aguardavam alegremente a saída da presidenta Dilma Roussef da sua residência na Granja do Torto, em Brasília, para a cerimônia de posse. A Natureza, silenciosamente, também estava atenta para tão significativo momento, a fim de poder prestar também sua homenagem à primeira mulher a ocupar o mais alto posto da República Federativa do Brasil.

Tão logo o cortejo dos carros partiu em disparada rumo ao Congresso Nacional, caiu gratuitamente do céu uma emblemática chuva, banhando com suas águas cristalinas o início da nova etapa da democracia brasileira. A água, o elemento originário sem o qual a vida não pode existir, batizava com esplendor o novo tempo de nossa soberania popular.

Nada acontece por acaso, como afirmou Dilma em seu discurso de posse, “o que tem de ser, tem muita força”. E assim, a Natureza manifestou-se solenemente diante de um momento histórico do sonho democrático brasileiro em construção.

O ser humano não é só realização prática, mas também construção de sentidos pessoais e comuns. Coragem, invenção e ousadia, segundo Dilma, são elementos fundamentais para a afirmação coletiva de uma nação. Ou como diria Hélder Câmara, “sonho que se sonha só é só um sonho; mas quando se sonha juntos já é uma realidade”.

Uma chave de leitura do sentimento de Dilma Roussef, contido em seu discurso de posse, é a valorização da vida, não como resultado de abstrações teóricas, mas a partir do sofrimento vivido com sua entrega, desde a juventude, ao sonho de construir um país mais justo e democrático, no momento em que as nuvens de nosso país “chupavam manchas torturadas”.

O sofrimento ensinou-lhe que não basta apenas a sensibilidade de sonhar, mas é preciso a coragem de enfrentar os desafios para tornar o sonho real. Ao haver suportado as adversidades mais extremas infligidas a todos os que ousaram enfrentar o arbítrio, ao ter de engolir o veneno do ódio e da opressão, ela pode gerar em si o antídoto capaz de superar tal escuridão. Nem o ressentimento, nem o rancor, mas o amor pela vida, por todas as vidas.

Como diz o poeta, "amar é ir além do fato, do contrato, para penetrar no tempo inexato e inesperado, unir-se ao extremo separado, para pintar novos retratos". 

Só o amor pela vida, por todas as vidas, é capaz de gerar o carinho e o cuidado que toda e qualquer democracia necessita para poder produzir contínua e dinamicamente o belo retrato da liberdade, da igualdade e fraternidade de um povo, de todos os povos.

Acesso em:03/01/2011