sábado, 29 de maio de 2010

INCLUSÃO RELACIONAL

 Alexandre Aragão

Com o pensamento político de Hobbes, o Estado nasce para garantir a vida de todos os humanos. Com Locke a vida recebe uma significação mais específica sob o conceito de propriedade. Na concepção deste autor, o indivíduo aparece como propriedade de si mesmo. A partir daí, tudo aquilo que o proprietário burguês venha a adquirir como resultado do seu trabalho passa a incorporar-se ao seu patrimônio pessoal.

Acontece que, como não tinham mais as garantias e proteção do sistema feudal, o trabalhador e o camponês assalariados ingleses foram obrigados a vender sua força de trabalho, cedendo ao proprietário burguês o direito de empregar essa força onde ele quisesse. Ao comprar a força de trabalho do operário e ao pagá-lo pelo seu valor, o proprietário burguês adquire como qualquer outro comprador o direito de consumir ou usar “a mercadoria comprada”. Assim, a força de trabalho de um homem é consumida ou usada fazendo-o trabalhar como se consome ou se usa uma máquina fazendo-a funcionar (MARX, 1982). Logicamente, o capitalismo exigiu o desenvolvimento de uma ideologia do trabalho na qual os homens considerassem a venda da força de trabalho como um direito e não como uma exploração. Portanto, é esse “livre trabalho”, que se aliena ao proprietário burguês, o defendido por Locke.

Consequentemente, se a vida (e por extensão tudo o que é direito) se vê pensada a partir da propriedade, governar significa proteger as propriedades individuais, perdendo-se de vista, em certo sentido, a vida comum que compete ao Estado proteger, como houvera sinalizado Hobbes.

Que conseqüência a concepção lockeana da centralidade da defesa da propriedade individual acarreta para a política?

Uma tendência a reduzir o direito público ao direito privado, uma tendência a reduzir política à economia. Mas a vida comum não se reduz apenas à dimensão econômica. A vida comum não é apenas um bem no sentido restrito que o capitalismo lhe atribui, uma mercadoria. A vida comum é um bem também, e principalmente, no sentido relacional, isto é, ético e moral: não apenas uma soma de propriedades privadas, mas um bem positivo que se contrapõe a algo que é visto como mal ou como mau (RIBEIRO, 2001).

A ética nasce das perguntas pelos critérios que tornem possível o enfrentamento da vida com dignidade. O ser humano é o ser que pode levantar a questão da validade sobre a sua práxis, sobre aquilo que deveria ser e não é, e sobre aquilo que é e não deveria ser. A ética emerge nesse contexto como reflexão crítica destinada a tematizar os critérios que permitam superar o mal e conquistar o bem à humanidade. Seu objetivo fundamental é estabelecer o(s) marco(s) no qual seja possível configurar o mundo humano enquanto espaço efetivo de liberdade e justiça para todos (OLIVEIRA, 2008).

Um dos temas mais caros para as ciências sociais na atualidade trata-se da inclusão relacional (BRUNI, 2005) de todas as pessoas e povos nas sociedades local e global, que se constrói a partir da solidariedade humana, tendo como base os valores fundamentais da liberdade, da justiça e da paz. O ser humano realiza-se não na solidão, mas nas relações interpessoais. E a solidariedade não é algo que se pode adquirir por decreto normativo; ao contrário, requer uma decisão de pessoas e grupos em sentirem-se responsáveis uns pelos outros.

O que seria, portanto, o bem público?

Na linguagem acadêmica, bem público trata-se do bem coletivamente produzido que não pode ser usufruído por um indivíduo sem beneficiar muitos ou mesmo todos. É público aquele bem que não sabemos ex ante a quem beneficiará.

Segundo Charles Taylor (apud. OLIVEIRA, 2006) tais bens são considerados bens porque correspondem às preferências dos indivíduos: são os indivíduos que pensam, preferem e agem, todas essas manifestações expressam, para além da subjetividade individual, um contexto mais amplo significativo a ela irredutível. Visível em instituições, papéis, regras, leis e costumes, a dimensão especificamente pública é, portanto, distinta do conjunto de preferências dos indivíduos isoladamente.

Além disso, como afirma Tocqueville (2005), é na vida comum que se pode exercer o respeito ao outro, a qualquer outro. Para o autor existe uma diferença fundamental entre individualismo e egoísmo. O egoísmo é incompatível com a democracia republicana por ser um vício tão antigo como o mundo, que nasce de um instinto cego, como amor apaixonado e exagerado de si mesmo (no caso lockeano, de sua propriedade), eliminando qualquer virtude e levando o homem a se preferir (e preferir a sua propriedade) a tudo mais. Já o individualismo, na concepção tocquevilleana, seria expressão de um sentimento refletido, que guia cada cidadão na direção de seus grupos identitários - como familiares e amigos - delegando a vida pública às instituições democráticas.

Assim, a garantia do respeito ao outro deve ocupar lugar central em uma sociedade democrática e republicana, a qualquer outro, com sua inclusão integral na vida da sociedade. E isso é atribuição não somente do Estado, mas da sociedade como um todo. Para Tocqueville não há grandes povos sem idéia dos direitos humanos; não há grandes homens sem respeito aos direitos humanos: pode-se dizer que não há sociedade, pois o que é uma reunião de seres racionais e inteligentes cujos únicos vínculos são o egoísmo e a competição?
A
REFERÊNCIAS
a
BRUNI, Luigino. Comunhão e as novas palavras em economia. Vargem Grande Paulista, SP: Editora Cidade Nova, 2005.
a
MARX, Karl. Para a crítica da economia política. Coleção Os Economistas. São Paulo: Abril Cultural, 1982.

OLIVEIRA, Isabel Assis Ribeiro de. O mal-estar contemporâneo na perspectiva de Charles Taylor. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais. Vol. 21 nº. 60 fevereiro/2006.
a
OLIVEIRA, Manfredo de Araújo. Desafios Éticos da Globalização. 3ª. ed. São Paulo: Paulinas, 2008.
a
RIBEIRO, Renato Janine. A República. São Paulo: Publifolha, 2001.
a
TOCQUEVILLE, Alexis de. A Democracia Americana. 5ª. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. 
 
Fonte:http://acaofraternatextos.blogspot.com/2010/05/inclusao-relacional.html
em:29/05/2010

sábado, 22 de maio de 2010

PMDB - hegemônico?

Josênio Parente

Não é necessária muita perspicácia para perceber que a campanha para 2010 já começou. Os noticiários dos telejornais vêm como que acompanhados do retrato 3x4 de candidato. As eleições para presidente da Câmara e do Senado acompanham esta lógica. A vitória do PMDB nas duas casas do povo, com mais de 60% dos votos, é realmente um feito extraordinário. A última vez aconteceu a 16 anos, no biênio 1991-1992, com Mauro Benevides e Ibsen Pinheiro. Será que o PMDB ganhou o status de um partido hegemônico?

PMDB e DEM, os dois maiores partidos dentre os tradicionais, continuam representando a tradição política brasileira que teima em sobreviver com o Brasil moderno fruto da globalização. O problema, deste modo, é que não foi vitória de um partido com direção, proposta e programa.

Enquanto DEM encolheu bastante na era Lula, PMDB, uma aglomeração amorfa de caciques e interesses regionais, cresceu em nome da governabilidade. Nestas condições ele é que teria mais cacife para o feito que realizou. Não foi, portanto, um partido que desponta no horizonte sucessório, embora Aécio possa realizar essa façanha, mas um partido que representa a resistência à mudança da sociedade brasileira.

Venceu na Câmara o PMDB serrista e no Senado o lulista. Essa realidade reforça não apenas a fragilidade de nossos partidos políticos, fisiológicos por não representarem a diversidade do espetro ideológico da sociedade civil ainda não idealmente organizada, mas mostra também que a campanha eleitoral de 2010 será aguerrida. Setores da sociedade civil organizada já participam ativamente do processo, como o empresariado paulista e os já tradicionais, como o MST e as centrais sindicais.

Basta observar como a crise chega ao Brasil dentro desse caldeirão. O carisma de Lula já faz vácuo e puxa a Dilma Rousseff para o centro do debate sucessório. O pmdbista Geddel Vieira, cotado para ser seu vice, também articulará o partido para seguir esse caminho. O PMDB fica, então, como a dama que todos sonham em seduzir.

Serra e Aécio apostam na sua infidelidade. O PMDB, com presença forte em todo Brasil, se unido, poderia fazer contraponto ao carisma Lulista. Se Serra espera ser amante, Aécio receia da sua fidelidade e não arrisca um embate frontal com Serra.

O PMDB, contudo, fez uma aventura extraordinária ao assumir a presidência da Câmara e do Senado. É o sonho de todo partido que o utilizaria como degrau para a presidência da República. Sarney e Temer estarão no controle de um orçamento conjunto de quase R$ 6 bilhões anuais e de um exército de mais de 21 mil funcionários. PMDB, contudo, não tem forças para chegar lá. Continuará a ser degrau para os partidos mais modernos, comprometidos com os atores que surgiram da modernização da sociedade brasileira que lutam para serem os administradores do Brasil nessa boa fase que atravessa na sua economia, apesar do fantasma da crise.

Josênio Parente - Cientista Político. Professor da Uece.

Publicado no site do Jornal O POVO em 10/02/2009

Fonte: http://opovo.uol.com.br/opovo/opiniao/854551.html

sexta-feira, 21 de maio de 2010

O Renascimento Africano: cicatrizar feridas do passado, lidar com as carências do presente

 Alexandre Aragão

Com o governo Lula intensificou-se a agenda de nossas relações diplomáticas com nações africanas. Segundo o presidente, o estreitamento dessas relações constitui para o Brasil uma obrigação política, moral e histórica: com 80 milhões de afrodescendentes, somos a segunda nação negra do mundo, atrás somente da Nigéria.

Findo o regime apartheid, superados conflitos internos em nações como Angola e Moçambique, as sociedades africanas estão mobilizadas para cicatrizar as feridas deixadas por esses processos, voltando-se para atender as carências do tempo presente, constituindo-se assim um verdadeiro renascimento. Segundo diversos intelectuais africanos, a África pode ser o continente do futuro, na medida em que aponte para modelos de desenvolvimento que promovam a economia popular, reconheçam a sua riqueza étnica e apostem na cultura e na política democrática participativa: a semente do renascimento é sobretudo a gente que conserva dentro de si as convicções do passado e vive os desafios de cada dia.

Parece que o primeiro a empregar o termo “renascimento africano” foi Thabo Mbeki, então vice-presidente da África do Sul. O Presidente Nelson Mandela, na 50ª conferência nacional do Congresso Nacional Africano (ANC), realizada em Mafikeng, em 16 de dezembro de 1997, deu-lhe uma versão mais articulada. Segundo o ANC, os elementos-chave do renascimento africano são: o desenvolvimento econômico do continente; a afirmação de sistemas políticos democráticos; a ruptura dos laços de dependência económica neocolonialista; a mobilização dos africanos para que se tornem obreiros da sua história; o rápido desenvolvimento de uma economia centrada nas pessoas.

Nenhum povo experimentou jamais um verdadeiro «renascimento» e abriu novos caminhos sem primeiro explorar corajosamente a sua complexa realidade. Só da confiança que provém da compreensão e do respeito pelo seu passado se podem vislumbrar e depois realizar significativas e duradouras soluções para o próprio futuro. Mas para isso não bastam os economistas: é preciso artistas, pensadores, criadores, uma imensa articulação popular. São precisos alicerces culturais sobre os quais todo o resto é construído. O desenvolvimento econômico, por si só, sem uma cultura, pode gerar mais opressão.

Segundo o intelectual camaronês Jean-Marc, a África recusa-se em aceitar o modelo ocidental de desenvolvimento como um valor fundamental; deseja uma coisa diferente do que é o crescimento de uma cultura ocidental de morte, de uma modernidade alienante que destrói os valores fundamentais da tradição africana. Num mundo que deixou de ter significado, a África recorda que podem existir outras formas de nos relacionarmos com o mundo. Por isso, o que para os outros parece ser um insucesso, para ela é a afirmação de uma alternativa possível, e a “África pode tornar-se assim o continente do futuro”. 

Para Jean-Marc, “o renascimento africano virá da gente, não será um dom caído do céu, mas uma conquista que vem de baixo. Tanto mais se a política continuar a ser vivida como instrumento de conquista do poder e da riqueza, e não como assunção de responsabilidades em prol do bem da coletividade. Num contexto de ausência de regras éticas e de visão política no sentido mais amplo e nobre do termo, só quem tiver a coragem das suas ideias e das suas ações, quem souber traduzir a utopia da sobrevivência em projeto de vida poderá criar as condições que possibilitem um autêntico renascimento”.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

O renascimento africano

Alexandre Aragão


O homem pleno de dignidade, sua natureza, seus deuses, sua história, sua transcendência. O homem e a paisagem amada, está tudo lá diante de seus olhos. O renascimento africano, sua pujança e sua dança, chave para a verdadeira construção da civilização humana. Maravilhosas palavras de Gilberto Gil em sua música La renaissance africaine.

No dia 18 de maio, o grupo de pesquisa Democracia e Globalização, da Universidade Estadual do Ceará – CNPQ, deu início ao Ciclo de Palestras para refletir e dialogar com a comunidade acadêmica e a sociedade civil sobre nosso tempo contemporâneo, seus desafios e possibilidades, com o objetivo de encontrar novos sentidos que orientem a caminhada humana na busca da construção de vínculos planetários mais solidários.

A palestra de abertura foi proferida pelo professor João Bosco Monte, sob o título "O novo modelo de desenvolvimento econômico do Continente Africano". A centralidade do estudo de Bosco Monte está em avaliar a forma como a África é percebida pelos demais países no atual cenário internacional. A mesa, sob a nossa coordenação, contou com a presença do professor Josênio Parente na qualidade de debatedor.

Sabe-se que uma das conseqüências do renascimento europeu foi a descoberta da alteridade. Com as grandes navegações e ampliação das relações mercantis, novos mundos foram encontrados, com seus habitantes, suas formas de ser e de agir. O encontro com um outro diferente impôs ao pensamento, principalmente o teológico e filosófico de então, a necessidade de superação de limites para conquistar novas categorias que pudessem fundamentar a ação humana entre iguais e diferentes a um só tempo.

Entre os pensadores da alteridade destaca-se Emanuel Lévinas, para quem relacionar-se com o outro requer de mim uma responsabilidade: a capacidade de resposta diante de um rosto totalmente estranho que me fita constitui o dado primitivo da postura básica do homem ético. À medida que me relaciono não posso não ser responsável. A responsabilidade por outrem é o que de mais substancial há em mim e que me constitui como humano. É o que confere “espírito ao homem”. O outro, em sua vulnerabilidade, deixa-me igualmente vulnerável e não sou capaz de me esquivar ao seu olhar. Ao percebê-lo, não apenas por meio de minha inteligência, mas principalmente de minha sensibilidade, sinto-o como sobre a minha pele. Coloco-me no seu lugar e sofro seu sofrimento em mim. Sentir em si o sofrimento do outro é uma característica fundamental da humanidade, porque permite a possibilidade de compreender ao máximo o outro em sua realidade e com ele ser solidário na busca de superar o seu sofrimento.

A ética, entendida na perspectiva de Lévinas, é afirmada através desta relação face a face com outro. E a passagem da ética para a política é marcada pela chegada de um terceiro, significando outros, a multiplicidade de sujeitos que fundam e constituem a polis. Portanto, a democracia entendida como democracia radical, pressupõe o reconhecimento e a valorização dessa diferença. Implica a aceitação da diferença, onde o outro muitas vezes não compartilha comigo os mesmos ideais ou valores, mas requer o reconhecimento mútuo do direito que todos tenham as mais diferentes expressões na vida da comunidade humana. Uma democracia radical e plural consiste na abertura para ouvir a voz do outro e construir sínteses capazes de convivência solidária e vida humana autêntica para todos.

Logo, a responsabilidade pelo outro torna-se maior quando se trata da responsabilidade política que tem por finalidade o bem da coletividade. Como atesta Hans Jonas, a responsabilidade é um correlato do poder. Se o poder e o seu exercício corrente crescem até alcançar certas proporções, modifica-se não somente a magnitude, mas a natureza qualitativa da responsabilidade, pois os feitos do poder geram o conteúdo do dever, sendo esse essencialmente uma resposta àquilo que acontece. Assim, aquilo que liga a vontade ao dever - o poder - é justamente o que desloca a responsabilidade para o centro da moral. Mas isso é exatamente o que Aristóteles havia dito ratio essendi do próprio Estado: este surge para tornar possível a vida humana e continua a existir para que o bem coletivo seja possível. Essa deve ser a preocupação do verdadeiro homem público.

Para Martin Buber, o ser humano, portador de dimensões diversas e interligadas, constrói-se no e pelo diálogo com o outro. Na relação Eu-Tu há a presentificação do Eu cuja construção se dá através da relação com o Outro-Tu. O encontro entre o Eu e o Tu é um evento no qual há o olhar face a face, há reciprocidade. A reciprocidade é fundamental na relação Eu-Tu, porque dela decorre a resposta ao apelo dialógico e, em sentido ético, à responsabilidade. E é dessa espécie de relação que nasce a comunidade, única capaz de fazer surgir “verdadeira vida entre os homens”. A relação fraterna é uma travessia em direção ao outro, ocorre no sentido de se olhar para o outro como meu igual, aquele que, sendo ou não meu adversário, compartilha comigo uma raiz fundamental: a humanidade. Essa é uma das características fundamentais da fraternidade e ela exige uma transformação íntima do ator político, da pessoa, para que resulte em eficácia. Exige a iniciativa no ato fraterno.

No renascimento africano está escondida a possibilidade de um renascimento mundial, na medida em que nos redescubramos todos como possuidores da mesma origem humana e nos tornemos por ela responsáveis.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Complexidade das alianças partidárias!

 
Josênio Parente
O Partido foi sempre o principal instrumento de representação política das diversidades inerentes aos Estados nacionais
A eleição está próxima! Nos seus preparativos, chamam à atenção novas alianças partidárias, contrariando as tradicionais. Com elas, os fiéis militantes sentem um misto de incerteza e decepção. Mas a coerência dessas alianças se explica na mudança de paradigmas na política brasileira.

Na guerra fria, a história acabaria com a vitória do capitalismo ou do socialismo. Os valores em jogo, a liberdade e a igualdade, só são revolucionários dentro do contexto de cidadania e diversidade da sociedade burguesa. O mercado venceu a primeira fase construindo nacionalidades e os países desenvolvidos já se organizam em blocos regionais para nova batalha.

O Partido foi sempre o principal instrumento de representação política das diversidades inerentes aos Estados nacionais. Partidos não teriam sentido em sociedade de pensamento único. A migração, contudo, trouxe valores novos aos países desenvolvidos. No século XX, os ricos eram a sua vitrine. A direita dos emergentes defendia os seus ricos contra os de países de capitalismo mais avançados. No século XXI, a direita dos mais desenvolvidos luta por seus 'pobres' contra os de emergentes e a esquerda, que defendia a burguesia nacional enfatizando seus trabalhadores, agora luta pelos espaços dos migrantes.

A diversidade cultural se internacionalizou e afetou a dinâmica dos partidos políticos. Assim, enquanto os países desenvolvidos estão em crise com seus partidos afetados pela diversidade cultural, o Brasil muda seu paradigma, mas ainda está envolvido em aperfeiçoar sua representação política. Ele se envolve em dois movimentos: enfrenta o mundo globalizado e a transição para o Estado laico.

O Brasil sai da desigualdade natural no patrimonialino para uma sociedade mais republicana, onde o sentimento de igualdade se fortalece. Enquanto ainda consolida sua representação política numa lógica da inacabada revolução burguesa, ele enfrenta o papel de país emergente. Os partidos que, no passado, não precisavam representar a sociedade civil, por esta ser protegida pelo Estado, buscam agora ocupar os espaços ideológicos disponíveis.

O modelo que orienta essa luta civilizada é o europeu, com cinco tendências básicas que se distribuem entre direita e esquerda. PT e PSDB se espremem para ocupar o mesmo espaço, o de centro-esquerda. O DEM é empurrado para a direita, saindo do marasmo clientelista que ainda alimenta o PMDB. Os diversos partidos da esquerda tradicional, como PC do B, PSB, PDT, entre outros, buscam a sobrevivência política na esquerda. O PSOL se associa à esquerda revolucionária desgarrada do PT, como o PSTU, e busca ocupar o espaço mais à esquerda.

É, pois, um jogo novo de ocupação de espaço e é no voto que eles serão definidos. A sobrevivência dos partidos, neste momento de definição ideológica, resulta de sua real representação. Daí a complexidade das novas alianças políticas. O espetáculo apenas começou!

Finalizo homenageando Maria D'Alva Kinzo, minha orientadora na USP, pelo seu falecimento na semana passada, reconhecendo seu papel de educadora dedicada.

Josênio Parente - Cientista Político e Professor da Uece.
Publicado no site do Jornal O POVO em:01/Julho/2008
fonte: http://www.opovo.com.br/opovo/opiniao/800781.html

Democracia de massa

Josênio Parente

É a segunda vez, em meio século, que as massas chegam à política na América latina

Que acontece na América Latina? No Chile, uma mulher foi eleita pela primeira vez presidente da República e, logo em seguida, o fato se repete na Argentina. No Peru é eleito um representante indígena e na Venezuela um presidente destrona as elites tradicionais e lidera uma cruzada de integração focada num socialismo bolivariano. O que realmente está acontecendo na América latina? Esta onda traz um desafio para os intelectuais e políticos da região. E este é o sentido desse seminário "Dos Andes aos Pampas: Inclusão e Cenários na América Latina", que reunirá pessoas que estão preocupadas com o nosso destino.

No Brasil, um presidente, de base sindical, atinge uma popularidade inédita, no quinto ano de governo. O processo de inclusão social é decisivo e parece ser a senha para entender essa transformação no capitalismo e na democratização da América Latina. Sua integração ao mundo global traz novidades e novos grupos de pesquisas, para entender essa realidade, são criados. No Ceará, um grupo no curso de história da Universidade Federal do Ceará, outro no Observatório das Nacionalidades, e ainda o RUPAL procuram enfrentar esse desafio. O mestrado de Políticas Públicas da Universidade Estadual do Ceará, que promove esse evento de nível internacional, vem somar esforços com a comunidade acadêmica para amadurecer essa reflexão.

É a segunda vez, em meio século, que as massas chegam à política na América latina. Foram dois momentos com significados diversos. A primeira vez, na década de 1960, era uma resposta ao fenômeno de urbanização acelerada fruto de um processo de desenvolvimento econômico planejado. O ânimo das massas foi contido pelo populismo e por uma onda posterior de governos autoritários que temiam o socialismo. A lógica estava na construção e fortalecimento dos Estados nacionais sob o impacto da guerra fria e a América Latina tinha a tutela dos Estados Unidos, a principal potência ocidental.

O segundo momento, no início do século XXI, as massas chegam novamente à política fruto de um processo de inclusão social como reflexo da globalização dos mercados. O ânimo das massas pelos valores republicanos forma nova condição para uma radicalização democrática que abala a dinâmica tradicional da política. A América Latina, afetada pelos contextos das relações internacionais desde sua origem, ultrapassa a transição de um mundo bipolar para um multipolar com esta fase de democracias de massas. Uma das conseqüências desse processo é a constituição de novas forças em jogo, abalando o poder das tradicionais elites políticas por outras mais identificadas com a modernidade. Enquanto no primeiro momento as massas não reivindicaram representação política, o mesmo não acontece nessa segunda fase. Esta saga culmina na democracia de massa.

JOSÊNIO PARENTE - Cientista Político e professor da Uece.

Publicado no site do Jornal O POVO em  12/04/2008
fonte:http://www.opovo.com.br/opovo/opiniao/780370.html

O Cearense Tasso e o Brasileiro Ciro

 Josênio Parente

O apoio velado de Tasso a Ciro quando candidato a presidente foi importante e decisivo para eleição de Lula contra Serra. Este teve de vencer Ciro e não teve tempo no enfrentamento com Lula.

A conjuntura é outra e o Ceará acompanha esse processo. As elites brasileiras e latinas estão pagando um preço caro por ter estimulado a entrada do Brasil na globalização. As massas incluídas no mercado e no processo democrático fazem a cobrança. Com isso, o argumento de mão de obra barata vai perdendo força de atração de indústria cearense, embora outros argumentos permaneçam válidos.

Aumenta a competitividade na economia e na política brasileira. A judicialização da política fortalece a ética liberal. No Ceará, o PSDB elege 55 prefeitos, o menor número, e o PT passa a ser reconhecido. Se não há mais a hegemonia da ideologia das mudanças, Tasso e Ciro continuarão no cenário político local enfrentando a competitividade inerente a sociedade e a emergente cidadania. Ambos disputarão eleição nesse cenário competitivo: Tasso no cenário local e Ciro no nacional. Esse sempre foi o segredo dessa relação!

Josênio Parente - Cientista Politico e Professor da UECE

Publicado no site do Jornal O POVO em:21/03/2009

Fonte: http://www.opovo.com.br/opovo/politica/864430.html