Alexandre Aragão
As primeiras palavras são aquelas com as quais manifestamos nosso sentir mais profundo diante de uma novidade em que nos encontramos. São expressão de uma verdade interior mais sentida do que racionalizada por não ser fruto de experiência vivida, mas da vontade que impulsiona o querer vivê-la. É a paixão que nos compromete com a vida que pulsa ao nosso redor.
Em seu primeiro discurso como a primeira mulher eleita presidenta do Brasil, pode-se marcar algumas palavras centrais do sentimento expresso por Dilma Roussef.
Primeiramente quero destacar a sua imensa alegria por ter recebido dos milhões de brasileiros e brasileiras, pelo voto direto, a missão mais importante de sua vida, com a qual buscará honrar sobretudo as mulheres, pelo fato de ter sido a primeira mulher eleita à Presidência da República, colocando em relevo um princípio essencial da democracia: a igualdade de condições.
Se antes, os cidadãos e cidadãs soberanos haviam colocado no poder, pelo voto, um operário que produziu uma ruptura histórica com o modelo de condução das políticas públicas até então vigentes no Brasil, introduzindo um novo olhar político voltado para o crescimento com distribuição de renda, agora a expectativa gerada com a chegada de uma mulher na condução do governo federal é que seja aprofundado este projeto, ampliando ainda mais as condições econômicas, ecológicas, sociais e políticas que permitam a todos o exercício pleno da cidadania sustentável.
Ou seja, espera-se, como Dilma mesmo afirmou, que a Democracia seja valorizada em toda a sua dimensão. Que seja uma democracia para todos e não apenas para alguns. Onde todos tenham liberdade e igualdade de condições para poderem viver com dignidade e autonomia.
E para isso é preciso acreditar no ser humano. Acreditar na capacidade do povo brasileiro de empreender e superar a adversidade com a criatividade que lhe é típica, segundo suas palavras.
A capacidade e a decisão de acreditar no outro constitui um dos atos antropologicamente mais significativos e expressivos da humanidade. Todo e qualquer sistema político-econômico que impossibilite a realização da confiança mútua e da solidariedade nos diversos níveis da vida humana é um sistema desumanizador.
O desenvolvimento da solidariedade só é possível se cada indivíduo tiver uma esfera própria livre de ação e, conseqüentemente, uma personalidade. Dizer personalidade significa afirmar que homem e mulher são pessoas, ou seja, seres dotados de subjetividade e dignidade, capazes de agir de maneira refletida, planejada e racional e de decidirem por si mesmos no exercício de sua realização pessoal.
Consequentemente, é preciso que os novos arranjos econômicos contemplem os trabalhadores e trabalhadoras não como um instrumento, não como uma máquina, mas como pessoas que trabalham, como sujeitos do trabalho: o valor ético do trabalho resulta justamente deste sentido subjetivo. E isto precisa acarretar conseqüências concretas na ordem política, econômica e jurídica capazes de garantir sempre mais uma ética no mundo econômico que contemple verdadeiramente a dimensão subjetiva do trabalho como fonte de desenvolvimento humano e justiça social. Isso significa “qualificar o desenvolvimento econômico”, não apenas com o aperfeiçoamento técnico, mas simultaneamente com o aperfeiçoamento ético-social.
Isso não é apenas tarefa de governo, como alertou a Presidenta, mas de todos os brasileiros e brasileiras. Desta forma, com este compromisso, é possível erradicar as misérias que continuam insistindo em manterem-se como marca de nossa história.
Resumindo, é preciso “cuidar com responsabilidade”. Saber cuidar deve transformar-se em cultura. Isso demanda um processo pedagógico que se desenvolve principalmente no âmbito das famílias e da escola formal, devendo transbordar para as instituições, capaz de fazer nascer um novo estado de consciência na vida de um povo. Importa, como lembra Leonardo Boff, desenvolver a economia das qualidades humanas, o valor ético da produção social.
Duas ferramentas importantes nessa construção são o diálogo público e a transparência dos atos, como bem assinalou Dilma.
O diálogo, com todos, ganha uma importância fundamental enquanto ferramenta humanizadora da ação política. Os gregos distinguiam as sociedades políticas daquelas não políticas precisamente pela capacidade de diálogo em público que essas sociedades possuíssem ou não, uma vez que essa práxis instaurava uma nova forma de solução aos conflitos: o debate público implicava desde então a responsabilidade pela solução dos problemas comuns.
Como lembra Nelson Mandela, não se pode chegar à solução dos problemas de uma sociedade, sem levar em conta a visão daqueles que se opõem fortemente à sua visão. Neste sentido é digno de registro o agradecimento respeitoso que Dilma externou aos eleitores que votaram em outros candidatos, sinalizando concretamente, a partir deste momento, que o diálogo não será algo abstrato no exercício do seu mandato.
Como ela mesmo afirmou, “agora é a hora da união”.
FONTE:http://acaofraternatextos.blogspot.com/2010/11/as-primeiras-palavras.html em:02/11/2010
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