segunda-feira, 18 de julho de 2011

NOTÍCIAS DE ANGOLA


DIVIOL RUFINO

Querido amigo Alexandre,

Estou na África, precisamente em Angola (Luanda). Amanhã parto para Moçambique, em missão de Paz, de revigoramento pessoal e de perdão dentro das comunidades eclesiais, também aqui em Angola.

Aqui em Angola faz parte da memória oral, que um grupo de pernambucanos, de origem holandesa, partiu de Recife em 31 de maio de 1640, invadiu Luanda, em Agosto de 1641 para capturar escravos para os Engenhos de cana de açúcar de Pernambuco, enviados pelo Sr. Johan Maurice, conde de Nassau. Seus homens fizeram um verdadeiro massacre que durou sete anos e deportaram milhares de angolanos.

 Ontem estive no museu da escravatura, onde há um registro de que mais de 4,5 milhões de pessoas foram arrancadas de suas vidas, de seus familiares, de seus reinos e foram sumariamente deportadas, dos quais 30% morreram lançados ao mar. As imagens e os relatos aqui expostos são aterradores (inéditos no Brasil).

Tenho aproveitado dessa minha presença para, em cada encontro, em cada celebração, em nome do meu povo pernambucano e brasileiro, pedir PERDÃO por este gesto monstruoso, bem como para AGRADECER por tudo o que os Angolanos deram de si para a construção do nosso Estado e do nosso País.

Nesses dias temos tido momentos fortíssimos de PERDÃO, experimentado como sendo a única força capaz de sanar as profundas feridas, ainda vivas, na tradição oral desse povo tão belo, tão digno, tão honrado, mas ao mesmo tempo tão martirizado e explorado, inclusive pelas guerras recentes.

Quando parti do Brasil, no início de junho, não imaginava minimamente o que Deus estava reservando pra mim nessa viagem que, acredito, será - aliás, já é - um marco em minha vida e na de tantas pessoas que tenho encontrado nesse percurso totalmente elaborado pela criatividade Dele, em cujas mãos me abandono.

Como tu sabes, a responsável pelo Movimento dos Focolares, em Angola, São Tomé e Príncipe, Moçambique (onde me encontro até o dia 22.07) e Zâmbia é Ana Maria Santanchè. Posso te assegurar que ela se tornou mesmo uma coisa só com esse povo: de italiana virou africana com os africanos, com seu sofrimento, com sua dor e, concretamente, faz de tudo para minorá-lo.

Sinto-me honrado em poder colocar-me à disposição para compartilhar com ela, e com as demais focolarinas que estão aqui há mais de 20 anos, oferecendo-se com todas as energias e criatividade para elevar as pessoas à sua mais alta dignidade de filhos e filhas de Deus.

O que tenho feito não é nem mesmo uma gota no oceano de sofrimento, de abandono, de descaso que essas nações sofrem em relação ao resto do mundo, que só pisa aqui para explorar suas riquezas naturais - que são muitas - e entorpecer suas mentes com falsas promessas, ou mesmo despejando drogas, álcool, seitas e até novelas brasileiras que invadiram as casas, quebrando um elo milenar que até então era forte, o senso de família.

Um grande país asiático, por exemplo, aceitou a proposta de “contribuir” para o desenvolvimento desses povos, sem impor contrapartida, contudo, seus produtos invadiram os mercados levando à quebradeira geral os empreendedores e o comércio local, pois ninguém consegue concorrer aos seus produtos; sem falar que as melhores e modernas rodovias que estão se fazendo por toda parte- além de não empregarem a mão de obra local, pois praticamente todos vêm do referido país, todas as estradas seguem numa presumível direção: às minas de diamantes que já saem em "malas blindadas" para lá.

Só pra te dizer um caso, em Luanda, nesse momento, com a chegada dos chineses, para a construção civil; dos italianos, que exploram petróleo; dos brasileiros, etc., um apartamento de dois quartos, no momento em Luanda, não sai por menos de US$ 7.000 o aluguel mensal. O povo foi literalmente empurrado para a periferia da periferia, sem água, esgoto ou saneamento básico, como nova forma de escravidão e de colonialismo disfarçado de cooperação, pois o povo não teve tempo de ser erguer, pois uma geração inteira ficou sem frequentar escolas e universidades por terem sido confinadas nas matas em luta armada.

Milhões de pessoas migraram de suas regiões por causa da guerra e do perigo das minas e nunca mais voltaram. Resultado: a capital que era mais protegida por ser a sede do governo, virou um caos e inchada, sem água nem luz para todos.

Portanto, amigo, o que tenho feito com as pessoas é ouvi-las, é deixar a dor fluir, sem alimentar ilusões, mas sem apagar a esperança, mesmo que tardia virá! Tenho mostrado a elas que precisam mantar aceso o sonho de liberdade, que eles são fortes, resistentes e que as guerras pelas quais passaram que esfacelou suas famílias e seus sonhos não teve, no ódio, a última palavra. Que eles estão vivos, não obstante tudo que passaram.

Hoje, visitando uma comunidade muçulmana, aqui em Maputo - Moçambique - um jovem usou uma expressão, dirigindo-se a outro que experimentava na cabeça uma espécie de solidéu que eles usam: "Amigo, Alá é quem te deu esta cabeça grande porque assim ele quis. Se ele a conserva até hoje é porque Ele quer assim, o importante é que a uses bem. Alá é grande!".

É nessa fé em Alá, bem como no Deus dos cristãos que essa gente encontra forças e esperança em dias melhores, talvez é por isso que suas liturgias são abundantes, seus cantos envolventes e emocionantes, suas preces vão junto com o balouçar dos seus corpos geralmente bem ornados de honra, de dignidade, de beleza.

Asseguro-te, estou marcado por tudo o que tenho vivido aqui. Tenho - agora- mais certeza: “será a beleza que salvará o mundo” e aqui é o que não falta! Esta beleza, escravagista algum conseguiu lhes arrancar.


Nenhum comentário:

Postar um comentário