sexta-feira, 21 de maio de 2010

O Renascimento Africano: cicatrizar feridas do passado, lidar com as carências do presente

 Alexandre Aragão

Com o governo Lula intensificou-se a agenda de nossas relações diplomáticas com nações africanas. Segundo o presidente, o estreitamento dessas relações constitui para o Brasil uma obrigação política, moral e histórica: com 80 milhões de afrodescendentes, somos a segunda nação negra do mundo, atrás somente da Nigéria.

Findo o regime apartheid, superados conflitos internos em nações como Angola e Moçambique, as sociedades africanas estão mobilizadas para cicatrizar as feridas deixadas por esses processos, voltando-se para atender as carências do tempo presente, constituindo-se assim um verdadeiro renascimento. Segundo diversos intelectuais africanos, a África pode ser o continente do futuro, na medida em que aponte para modelos de desenvolvimento que promovam a economia popular, reconheçam a sua riqueza étnica e apostem na cultura e na política democrática participativa: a semente do renascimento é sobretudo a gente que conserva dentro de si as convicções do passado e vive os desafios de cada dia.

Parece que o primeiro a empregar o termo “renascimento africano” foi Thabo Mbeki, então vice-presidente da África do Sul. O Presidente Nelson Mandela, na 50ª conferência nacional do Congresso Nacional Africano (ANC), realizada em Mafikeng, em 16 de dezembro de 1997, deu-lhe uma versão mais articulada. Segundo o ANC, os elementos-chave do renascimento africano são: o desenvolvimento econômico do continente; a afirmação de sistemas políticos democráticos; a ruptura dos laços de dependência económica neocolonialista; a mobilização dos africanos para que se tornem obreiros da sua história; o rápido desenvolvimento de uma economia centrada nas pessoas.

Nenhum povo experimentou jamais um verdadeiro «renascimento» e abriu novos caminhos sem primeiro explorar corajosamente a sua complexa realidade. Só da confiança que provém da compreensão e do respeito pelo seu passado se podem vislumbrar e depois realizar significativas e duradouras soluções para o próprio futuro. Mas para isso não bastam os economistas: é preciso artistas, pensadores, criadores, uma imensa articulação popular. São precisos alicerces culturais sobre os quais todo o resto é construído. O desenvolvimento econômico, por si só, sem uma cultura, pode gerar mais opressão.

Segundo o intelectual camaronês Jean-Marc, a África recusa-se em aceitar o modelo ocidental de desenvolvimento como um valor fundamental; deseja uma coisa diferente do que é o crescimento de uma cultura ocidental de morte, de uma modernidade alienante que destrói os valores fundamentais da tradição africana. Num mundo que deixou de ter significado, a África recorda que podem existir outras formas de nos relacionarmos com o mundo. Por isso, o que para os outros parece ser um insucesso, para ela é a afirmação de uma alternativa possível, e a “África pode tornar-se assim o continente do futuro”. 

Para Jean-Marc, “o renascimento africano virá da gente, não será um dom caído do céu, mas uma conquista que vem de baixo. Tanto mais se a política continuar a ser vivida como instrumento de conquista do poder e da riqueza, e não como assunção de responsabilidades em prol do bem da coletividade. Num contexto de ausência de regras éticas e de visão política no sentido mais amplo e nobre do termo, só quem tiver a coragem das suas ideias e das suas ações, quem souber traduzir a utopia da sobrevivência em projeto de vida poderá criar as condições que possibilitem um autêntico renascimento”.

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